Ela chegou bem devagar
Subiu de mansinho,a escada.
Mal se ouvia sua respiração.
Entrou em casa.
Não acendeu a luz.
Tirou os sapatos.
Colocou-os de lado,no canto perto da porta.
Deu dois passos à esquerda pois sabia que a frente tinha um vaso.
Avançou, ritmadamente.
Seguiu em silêncio,
Foi ate o quarto.
Tirou o vestido.
Voltou à sala.
Abriu a janela.
Ela adorava sentir a brisa em seu corpo.
Foi até a cozinha,já nua.
Uma taça.
Tateava a procura de uma taça no escuro.
Não desejava claridade.
Apenas vinho.
Um pouco de vinho
E estaria feliz.
Precisava de pouco para sê-lo.
Pegou um cigarro,na mesa de centro.
Lembrou-se, então, que havia parado de fumar.
Não acendeu-o.
Apenas levou-o a boca.
Fez que tragava.
Foi-se o vicio,não o hábito.
Deitou-se perto da janela.
Nua,olhando a lua.
Na mão esquerda a taça.
Noutra o cigarro apagado.
Ouvia uma musica.
Ao longe.
Um jazz, ou blues. Não tinha certeza..
Desconhecia sua origem.
Mas ouvia.
Sempre.
Desde sempre.
Fechou os olhos.
Sentindo um vento mais forte,arrepiou-se.
Sentia fome.
Mas o sono era mais forte.
Adormeceu assim.
Nua,debaixo da janela.
Ainda havia vinho na taça.
Mas a garrafa estava vazia.
Acordou,
Ainda era madrugada.
Havia derramado o vinho.
Taça caída no chão,junto ao corpo.
Sentiu saudades,
Nostálgica olhou em volta.
Ainda estava tudo escuro.
Tudo estava escuro e frio.
Lembrou-se que não ligou a calefação.
Havia se esquecido de como fazia frio a noite.
Mas tentou esquecer que não esperava ninguém.
Fazia muito tempo que ela havia partido.
Saíra numa manhã e nunca mais voltara.
Lembrou-se então das palavras da outra.
Sentia a lágrima descendo aos olhos e caindo em seu colo.
Procurava uma manta,encontrou seu penhoar.
Ah sim,lembrou-se das palavras exatas:
“-Não se preocupe. Volto de madrugada.”
Não voltou.
Não que ela tivesse mentido.
Não pensava assim.
Ela apenas não havia dito em que madrugada voltaria.
Por isso todos os dias, ela não acende as luzes.
E espera pela outra de madrugada.
Já passaram-se muitos madrugadas.
Já perdera a conta.
Amanhece,
O sol nasce lentamente.
Iluminando seu apartamento vazio.
Vê-se no espelho.
Repara que seu corpo já não é o mesmo de outrora.
Em seu rosto encontra marcas que nunca havia visto.
Faz um café,toma seu banho.
Faz a comida preferida dela,como todos os dias.
Repara que a cama continua intocada.
Nunca mais deitara-se lá.
Descobre que o vinho acabou.
Entra em pânico e pensa:
E se ela chegar e não tiver vinho?
Percebe que a dispensa esta vazia.
Precisa fazer compras.
Olha o calendário.
Tenta lembrar-se quanto tempo faz.
Procura a agenda.
Sabe que o aniversário dela está chegando.
Mas não sabe ao certo o dia.
Sabe que anotou. Sempre anota.
Queria fazer uma festa.
Surpresa,como todos os anos.
Mas ela nunca aparece.
A surpresa seria se ela viesse.
De madrugada.
Como prometera.
Enfim,
Ela espera.
Como todos os outros dia.
Chega em casa e não acende as luzes.
Como sempre.
Já acostumou-se a escuridão.
Esta no escuro desde que a outra a deixara.
Abre a janela,mas essa noite não se vê a lua.
E nem há brisa.
Sabe que a ama.
E por isso espera.
Como sempre.
Hoje não ouve a musica.
Pela primeira vez não ouve.
Não entende.
O silêncio a incomoda.
Resolve gritar.
Gritar que a ama.
Enche os pulmões de ar.
O que não é fácil para uma ex-fumante.
E com toda sua força.
Com todo seu amor.
Como toda a certeza que reina na sua escuridão...
Grita:
-Eu te amo.
Percebe que a outra não pode ouvi-la.
E resolve gritar para o mundo que a ama.
Novamente grita.
Grita: - Eu amo a....
-Amo a....
Para. Assustada.
Percebe que não lembra o nome dela.
Pensa,pensa,pensa.
Não lembra.
Vai até a porta.
Acende a luz.
São três da manhã.
E ela acendeu a luz.
Acendeu a luz.
Fiquei encantada com sua delicadeza de suas palavras! Belo texto.
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